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Jimin, V e Jungkook do BTS comendo

Fome de K-pop

Dabok Factory serve os desejos que o K-pop criou, mas não pode suprir a distância

Integrantes do grupo BTS: Jimin, V e Jungkook , comendo 

Fany
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De acordo com a instituição de pesquisa Euromonitor, o crescente interesse em comida coreana através do K-pop ajudou a aumentar o turismo à Coreia do Sul em 15% em 2019. Mas quem não pode fazer um tour gastronômico do outro lado do mundo não precisa passar vontade. Existem restaurantes e cafés especializados em atender esse público de norte ao sul no Brasil.

Créditos: SangTae Park

Na Coreia, diferente de outros países asiáticos, os "palitinhos", chamados 젓가락 (lê-se Tchukará), são feitos de metal e usa-se colher para comer arroz e caldos. Os pratos são servidos em conjuntos de louças individuais. Saiba mais.

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Negócio de Família

Créditos: Beto Jeon

 Topokki do restaurante Dabok Factory.

O restaurante da família Lee já funciona há mais dez anos servindo comida coreana tradicional no Bom Retiro, bairro de São Paulo. Mas o público deles começou a mudar de uns anos para cá, pois a curiosidade dos brasileiros com a comida coreana começou a aumentar. Entre os responsáveis por esse interesse repentino está o K-pop, um dos elementos da onda de exportação cultural coreana, chamada Hallyu, composta também por K-drama (novelas sul coreanas), K-beauty (cosméticos) e mais recentemente, K-food (comida).

 

A filha mais nova da família, Fany Lee, 25 anos, administra o restaurante dos pais há menos de dois anos, mas já fez mudanças drásticas para acompanhar a demanda dos clientes. E ela não é a única ascendente coreana a perceber isso. “Eu não sei quando essa onda vai parar, tá crescendo e as pessoas estão enxergando isso. Para o empreendedor que tá nesse ramo alimentício, desse lado coreano, e vendo a cultura coreana crescer, acho que o ponto de pico é agora”, diz Fany sobre o impacto da Hallyu para o comércio da colônia, como é chamada a comunidade sul coreana no Brasil.

 

O Dabok Factory fica na Rua Ribeiro de Lima, perto do parque da Luz, na beiradinha do bairro Bom Retiro. O restaurante oferece 19 refeições tradicionais da culinária coreana em seu cardápio, além de lanches, pães e cafés. Mas também é uma fábrica de Tteok (lê-se tók com k mudo), uma massa de arroz coreano que tem diferentes versões e faz parte de vários pratos e de Moti (ou Mochi), um doce originalmente japonês, mas que tem sua versão coreana. 

 

Fany e seu irmão mais velho, Junior Lee, 30 anos, assumiram a administração do negócio depois do pai falecer, em 2018. Ela cuida da produção da fábrica, da panificação, gerência os cinco funcionários e atende aos clientes, enquanto sua mãe, Miriam Han, domina a cozinha. Junior fica responsável pela parte financeira e pelo empreendimento novo há poucos quarteirões, um restaurante de frango frito coreano. Ela diz que pegou serviço acumulado, porque seus pais tocavam o negócio de uma forma totalmente diferente de seus padrões. E apesar de ter se formado em gastronomia, muito sincera, admite que nunca quis trabalhar ali. “Meus pais eram muito teimosos, o negócio da família não era o que eu queria, eu não via futuro”, conta. 

 

Mas quando percebeu que sua mãe, ainda de luto, estava sozinha no restaurante pela primeira vez, Lee conversou com seu irmão e tomou as rédeas. Otimista, ela diz que foi uma oportunidade indesejada para crescer, ganhar experiência e mudar sua mentalidade. Sobre o começo de sua nova jornada, ela conta: “eu caí de paraquedas, meu pai era responsável de muita coisa aqui e eu não sabia nada do que ele fazia. Então eu saí no desespero, eu fiquei com medo, mas eu não consegui fugir. Não tinha como, ninguém sabia, ninguém ia fazer, então eu tive que fazer com medo mesmo”.

O restaurante cresceu muito ao longo dos anos, graças a deliciosa comida de Miriam e o carisma em conquistar clientes de seu marido. Mas, com certeza, era mais difícil achar o lugar. “Era bem feio e confuso. A fachada era escura e misturava várias coisas, já foi floricultura, loja de impressora...sei lá”, diz Fany entre risadas. Entender que o estabelecimento era um restaurante, realmente demandava um certo esforço, por isso ela já chegou reformulando tudo. O primeiro passo foi entrar para as redes sociais, criar uma marca com identidade visual e se conectar com o público. Depois de um ano trabalhando duro, eles iniciaram uma reforma que terminou bem no meio da pandemia da Covid-19.

Fachada antiga, em 2018, no Google Maps.

Fachada nova, em 2020, no Instagram da Dabok.

“As redes sociais são a parte mais difícil, mas chamam muita a atenção do público.”

- Fany Lee

O Fany conta que os pratos mais vendidos são o Bibimpab e o Tteoboki, “são os que mais mostram em dramas e programas”, explica o motivo da popularidade. Para ela é evidente que muitos clientes procuram o restaurante por causa da curiosidade em experimentar a comida que suas celebridade favoritas comem. “Tem muita influência de atores, propagandas e programas que os idols vão. O pessoal vem e fala ‘ai queria comer aquela massinha das barraquinhas dos dramas”. As “barraquinhas” as quais Lee se refere, são pontos de venda comuns de Street Food (comida de rua), muito popular entre turistas e que aparecem regularmente em programas de variedades estrelados por idols de K-pop e em novelas coreanas, chamadas de K-drama.

Não é difícil achar Miriam assistindo seu draminha da tarde na fábrica depois que o expediente dá uma acalmada, mas a filha já não se interessa tanto como antigamente. “Eu não sei nada de K-pop e drama, minha febre foi na adolescência”, diz Fany, que até o ensino médio gostava do grupo Super Junior. “Mas eu sei o que tá subindo por causa de quem vem aqui e fala”, revela. Muitos de seus clientes são fãs de K-pop e chegam ao restaurante através da indicação dessa comunidade.

 

A relação entre comida coreana e uma clientela de fãs, não é exclusividade da Dabok. Especialistas e dados apontam que o K-food cresceu muito nos últimos dois anos devido a popularidade do K-pop. Confira alguns levantamentos interessantes sobre o crescimento desse mercado

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Compra de Souvenirs de turistas na Coreia do Sul

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Compra de comida embalada para levar como "lembrancinha" da Coreia, foi a que mais cresceu entre 20014 e 2018

Exportação de K-food

O instituto de pesquisa financeira tailandês, Morgan Stanley Research, em parceria com NSO (Escritório Nacional de Estatística da Tailândia), divulgou em julho de 2019, uma pesquisa sobre a popularização global do K-food como um novo braço da Hallyu. A analista de ações Kelly Kim esclareceu nesse levantamento: “Em certo sentido, o crescente interesse por conteúdos de entretenimento, como filmes, programas de televisão e música, abriu caminho para mais curiosidade sobre a cultura, o que abre as portas para a culinária”.

  

É importante ressaltar que o relatório explica o aumento de exportação de grandes empresas, especializadas principalmente em: snacks (“lanchinhos” típicos como o pepero), Lamen instantâneo (o famoso miojo) e refeições prontas (que vêm congeladas). Essas três categorias combinadas representam 70% das exportações e produções no exterior, das 10 maiores companhias de K-food listadas na Coreia, nos últimos cinco anos.

A Euromonitor Internacional, uma empresa de pesquisa e análise estratégica de mercado, mostrou em um relatório, divulgado em agosto de 2019, que os programas de turismo à Coreia com propósito gastronômico aumentaram mais rápido do que outras áreas, como compras. Em 2019, 16 milhões de pessoas alegaram visitar a Coreia do Sul principalmente por causa da comida, um aumento de 15% em relação a 2014. A análise, feita antes da pandemia, previa que esse número aumentaria para 20 milhões até 2023.


A mudança ao decorrer dos anos no que os turistas decidem levar em sua bagagem como “lembrancinha” quando deixam o país, também aponta como o interesse das pessoas em relação ao K-food está mudando. É importante destacar que 70% dessas vendas são geradas em pontos turísticos específicos para a gastronomia, como as “barraquinhas” citadas pelos clientes de Fany.

Turismo gastronômico à Coreia:

Créditos: Raquel Paiva

Apesar dos dados impressionantes, a maioria dessas vendas e visitas são feitas por outros asiáticos, principalmente chineses, ou norte-americanos. Em uma rápida visita aos bairros paulistanos, Bom Retiro e Liberdade, é fácil encontrar produtos de K-food, como os citados na pesquisa de exportação, mas os preços são salgados e a venda limitada ao público que frequenta as regiões. 

 

O turismo de brasileiros à Coreia do Sul aumentou mais de 20% só entre 2018 e 2019, enquanto o dos EUA aumentou apenas 7,9%, de acordo com dados da Organização de Turismo da Coreia. Mesmo assim, o número de visitantes brasileiros em 2019, mais de 23 mil, ainda é pequeno se comparado aos mais 1 milhão de turistas estadunidenses no mesmo período. Mesmo que o interesse dos brasileiros no país cresça mais por ano, a distância de 30 horas e passagens de no mínimo R$6 mil, não colaboram. 

 

Diante de um público que não pode gastar tanto em pequenos pacotes de comida instantânea e muito menos atravessar oceanos para saborear um prato tradicional, mas acompanha a tendência global de interesse em K-food, a Dabok Factory estabeleceu uma estratégia apelativa: oferecer comida coreana caseira de qualidade, em boa quantidade e preços ainda melhores. Fany conta que há dois anos, antes de sua chegada a gerência, os preços eram baixos até demais, mas isso foi essencial para fidelizar clientes. “Antigamente a gente era conhecido com ‘quinzão’. Meus pais chamaram muita atenção do público brasileiro, que queria experimentar comida coreana sem pagar um valor absurdo”, ela explica. 

Todos os pratos do cardápio custavam R$15, mas com a inflação, os custos de matéria prima dispararam e ficou impossível manter um preço tão baixo. “Aumentamos o valor, não muito, mas quem veio nessa época e conheceu, gosta muito da comida e vê que vale a pena, então volta”, diz orgulhosa. Ela atribui esse sucesso aos pais e justamente com o desejo de honrar o trabalho deles, quis valorizar o empreendimento. Depois da reforma ela reformulou o cardápio, mas ressalta: “a comida sempre vai ser caseira”.


Além da influência do K-pop e do K-drama, a jovem empreendedora destaca uma particularidade do interesse pelo K-food no Brasil, a disseminação por influencers digitais brasileiros, especializados em divulgar cultura coreana. Muitos vídeos aparecem quando se digita “comida coreana no Brasil” no youtube, entre eles receitas, reações, indicações e os populares desafios. “No começo era engraçado, ninguém fazia direito, mas isso tem entrado de forma tão surreal que está incorporado nas pessoas”, diz Fany, que observa a relação entre o conteúdo e a demanda de serviço.

Confira esta Playlist de Youtubers brasileiros que falam sobre comida coreana em seus canais

24 HORAS COMENDO COMIDA COREANA NO BRASIL
Receita de COMIDA COREANA | ARROZ FRITO COM KIMCHI e QUEIJO do P.O (Block B)
Onde comer Comida Coreana NO BRASIL?
RECEITAS COREANAS feitas com PRODUTOS BRASILEIROS

Assim como para outros ascendentes coreanos, é difícil para Fany se definir em uma nacionalidade, mas ela fica feliz vendo que a popularização da cultura coreana trouxe muitos benefícios para a comunidade no Brasil. “Os brasileiros estão perdendo o preconceito com asiático, oriental. Antes era só passando na rua e chamando de ‘japa’. Hoje alguns brasileiros já até conseguem dizer se é coreano ou não, é muito legal”, destaca. 

 

Outra vantagem é a demanda por serviços especializados, como sua fábrica e restaurante. Antes a comunidade existia para atender outros coreanos, mas Fany explica que essa já não é a realidade: “ainda tem alguns lugares que não se adaptaram muito bem e não ligam para o público brasileiro, não explica, não respeita, não serve direito. Mas o centro do Bom Retiro, que é a [Rua] Prates com a Três Rios, é um lado que já tá mais focado no brasileiro”. Sobre a Dabok, ela faz questão de ressaltar: “Aqui o brasileiro é bem vindo. A gente vai tentar melhorar sempre, nosso foco é continuar a aumentar o público brasileiro.”

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K-food em Quarentena

Em setembro, o vice-presidente executivo da divisão de Indústria e Comércio de alimentos da aT (Korea Agro-Fisheries & Food Trade Corporation), Shin Hyun-gon, esclareceu os efeitos da pandemia no K-food e a reação da Corporação em relação a esse impactos, em sua coluna para o jornal “The Korean Times”. Ele destacou que só em Agosto deste ano, $4,6 bilhões de dólares de K-food foram exportados, um aumento anual de 5% e relaciona esse sucesso diretamente à Hallyu. 

Ao explicar as estratégias da aT, ele ressaltou o uso da popularidade da cultura pop coreana como um ponto de apoio à estratégia de marketing adotada. O resultado foi o aumento de vendas online no exterior, estreando em plataformas como a Amazon. O público alvo eram os jovens, que segundo ele estão mais aberto e curiosos a novas experiências gastronómicas, mas além desses, houve um novo fluxo entre consumidores de meia idade. 

Entre as atividades descritas para alavancar as vendas e seus resultados, ele citou: “eventos que apresentam receitas de alguns pratos coreanos por estrelas do K-pop para seus fãs em shows online, e os pratos coreanos introduzidos ganharam popularidade”. Além disso, eles investem em colocar os produtos agrícolas coreanos em aplicativos de entrega locais, populares em cada região no exterior.

Dabok em Quarentena

Fany não pode contratar estrelas do K-pop para promover seus pratos online, mas ela certamente reforçou a presença da Dabok Factory online, principalmente em aplicativos como Uber Eats e IFood. Apesar de estar pesarosa e lamentar as mortes causadas pelo COVID-19, ela explica que durante essa crise, oportunidades também surgiram. “Querendo ou não a pandemia fez a gente crescer muito”, diz pesarosa, mas realista. Ela ainda não dimensiona a porcentagem de vendas online, mas conta que alguns clientes chegam a pedir três vezes por semana.

 

Os motivos para o crescimento foram vários. Além das vendas online, muitos restaurantes perderam fornecedores de ingredientes essenciais para vários pratos, como o Tteok. A fábrica da família, é uma de três que produzem a “massa” no Brasil. Por isso eles começaram a vendê-la congelada até para o Sul do país. 

 

Como esperado, as pessoas também começaram a cozinhar mais em casa. Muitas assistiram conteúdos, como os promovidos pela aT, de receitas coreanas e queriam testá-las. Esse fenômeno criou outra demanda para a fábrica, e Fany e sua mãe desenvolvem novos produtos para atender seus clientes. “A gente não vendia pasta de pimenta coreana, por exemplo, e agora vende”, explica. Ela também acha que as pessoas começaram a procurar pratos mais saudáveis e a culinária coreana é famosa, especialmente entre seus admiradores, por fazer bem ao corpo. 

 

Ao mesmo tempo em que a Fábrica e o Restaurante funcionavam a todo vapor, Fany decidiu investir no setor culinário no qual mais se interessa, a panificação. Ela lançou a Dabok como confeitaria e começou a vender pacotes de Coffee Break que combinavam o Moti, produzido na Fábrica, com pães e outras receitas. Esses acontecimentos combinados exigiram muito esforço e novas estratégias de gerenciamento. “Foi fora de controle o crescimento, mas a gente teve que manter o controle, para não fazer mal feito e sem qualidade”, ressalta. 

 

Mesmo antes das portas abrirem no segundo semestre de 2020, ela precisou contratar mais três funcionários, e tenta ver nisso um aspecto positivo do aumento das vendas em meio a pandemia. “Fiquei feliz porque a gente pode gerar emprego nessa fase difícil”, diz. Em meio a tantos desafios, Fany ainda não teve tempo de pensar muito sobre o futuro, quando precisa responder sobre os planos para 2021, ela diz prática: “eu não sei, tem que crescer, sempre melhorar, mas nada de subir à cabeça né”. Para o público ela tem apenas um pedido: “continuem vindo”.

Explore um pouco mais da história dos coreanos no Brasil e entre eles, a família Lee.

Linha do Tempo

Brasil dos Coreanos

Brasil da Família Lee

1910 a 1956 - Coreanos naturalizados japoneses vem ao Brasil fugindo da Guerra da Coreia 

1962 a 1973 -  Chega ao Brasil a primeira delegação oficial de sul coreanos, composta por 92 civis e 11 ex-militares. Eles fazem parte de um projeto do governo da Coreia do Sul, ao qual objetivo é a emigração de 100 mil coreanos pelo mundo em cinco anos. O presidente Jânio Quadros permite a vinda de 500 famílias e cede terras para se estabelecerem como agricultores. Mas por serem de origem urbana, não se adaptam e começam a migrar para São Paulo, na região do Glicério.

 Anos 80 - Miriam Han e nome Lee se conhecem na comunidade de imigrantes sul coreanos no Paraguai. Eles se apaixonam, formam uma família com três filhos e montam uma mercearia. 

 

1997 - A situação financeira no Paraguai começa a ficar difícil. Assim como outros coreanos do seu convívio, a família Lee vêm para o Brasil com promessas de boas oportunidades. Chegam ao Brás, bairro de São Paulo, com 20 malas, $3 mil dólares e três bocas para alimentar. Começam a trabalhar na indústria têxtil.

Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Produzido por Raquel Paiva e Orientado pelo Profº Drº Anderson Gurgel

As opiniões e conclusões expressas não representam a posição da Universidade Presbiteriana Mackenzie
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